Covid: Origem e disseminação do vírus

Evidências científicas para a origem natural do novo coronavírus           Prof. Enéas Ricardo Konzen (Departamento Interdisciplinar, CECLIMAR, CLN, UFRGS)

 

Já correram boatos de que o novo coronavírus teria sido criado em laboratório pela China com o objetivo de provocar uma pandemia. Bom, como descrito, foram boatos ou como agora chamamos: fake news. Um estudo publicado por Kristian G. Andersen e colaboradores de várias universidades mostrou evidências fortes de que a origem do vírus é, efetivamente, natural. A seguir, tenta-se descrever resumidamente do que se tratou o trabalho. No entanto, por ser estudo genético e evolutivo, alguns conceitos fundamentais são descritos previamente, visando facilitar o entendimento. 

 Conceitos importantes para o tema Proteína: é uma molécula (ou grupo de moléculas) constituída por unidades básicas chamadas de aminoácidos. As proteínas são moléculas essenciais à vida, participando de inúmeros processos do nosso corpo. Aminoácido: unidade básica de uma proteína. Vários aminoácidos ligados um ao outro formam uma proteína. 

Há 20 aminoácidos diferentes na natureza. A combinação de diversos aminoácidos em sequência forma uma proteína. DNA: material genético da maioria dos organismos vivos, à exceção de alguns vírus. O novo coronavírus, por exemplo, é justamente um vírus que não contém o DNA, mas sim o RNA. Ou seja, o RNA é o material genético deste vírus. Gene: sequência de DNA (ou RNA no caso do coronavírus) que tem potencial para gerar uma ou mais proteínas. 

A sequência é composta por moléculas complexas chamadas nucleotídeos. Há quatro tipo de nucleotídeos: adenina (A), guanina (G), citosina (C) e timina (T). No RNA não ocorre timina, mas sim a uracila (U). Sequência de DNA: sequência de nucleotídeos como, por exemplo, ATGATTAAGGACTAG. O novo coronavírus tem uma sequência de quase 30.000 bases (embora seja de RNA, em que vai aparecer a uracila no lugar da timina). Mutação: substituição de uma base por outra em uma sequência de DNA ou de um conjunto de bases. Por exemplo: suponha que a sequência original fosse ATGATCCAT. 

Na hora de uma célula se dividir houve um erro celular que fez com que novas células geradas a partir da primeira passassem a ter a sequência AGGATCCAT. Ocorreu, então, uma mutação na segunda base. Compare: ATGATCCAT AGGATCCAT As mutações podem ou não alterar a função de genes, ou seja, produzir proteínas diferentes, com forma ou função modificada. 

O novo coronavírus surgiu através de mutações que, eventualmente, passaram a ser maléficas para os humanos. Seleção natural: processo evolutivo em que determinados indivíduos são favorecidos nas condições em que vivem e, desse modo, conseguem sobreviver e se reproduzir, em detrimento de outros. Ou seja, estes organismos apresentam uma ou mais características, que são hereditárias, ou seja, são transmitidas às próximas gerações e são favorecidas pelo ambiente. Aspectos sobre o novo coronavírus e teorias para sua evolução de acordo com o estudo publicado Um aspecto notável do novo vírus, denominado oficialmente SARS-CoV-2 (World Health Organization), é a sua capacidade de se ligar ao receptor humano ACE2, uma proteína específica, e então entrar na célula. A proteína do vírus que interage com o receptor chama-se RBD. 

 O que chamou a atenção dos pesquisadores, no entanto, é que a proteína RBD apresenta uma sequência de aminoácidos que não é ideal para sua ligação com o receptor. Isso sugere que houve seleção natural na proteína humana (ACE2), ou seja, uma sequência um pouco diferente da proteína humana permitiu uma interação ótima. O que entendemos disso? Que dentre as mutações que ocorreram na sequência da proteína humana ao longo do tempo, uma foi favorável à interação com a proteína do vírus. Isto é uma forte evidência de que o vírus não foi criado em laboratório. 

Ocorreram mutações no receptor humano que permitiram a alta afinidade e, então, a entrada no vírus nas células. Outro aspecto importante notado pelos cientistas do estudo foi um sítio ou região de clivagem (=corte) entre duas subunidades (=partes) da proteína RBD. Isso pode ter um papel importante no poder infeccioso do vírus. No entanto, os pesquisadores relataram que as consequências funcionais da presença deste sítio de clivagem ainda carecem de entendimento. 

Baseado nas análises, os cientistas propuseram duas teorias para a origem do novo coronavírus: 

1 – Seleção natural em um animal hospedeiro antes da transferência para humanos No artigo mencionaram que …como muitos casos de COVID-19 foram ligados ao mercado de Huanan em Wuhan, é possível que uma fonte animal [do vírus] estava presente neste local. Outros estudos mostraram elevada similaridade do novo coronavírus com o material genético de vírus encontrados em morcegos. Possivelmente, estes animais poderiam ser hospedeiros para o progenitor. Além disso, pangolins malaios, mamíferos criticamente ameaçados de extinção, ilegalmente importados para a região, contêm sequências similares ao novo corona vírus (SARS-CoV-2). 

A proteína RBD do vírus encontrados nos pangolins é muito similar ao do vírus que está causando a pandemia. Mas ainda sofreu mutações e nos humanos, uma das formas encontrou alta afinidade pelo receptor, gerando a doença. Isso é evidência de seleção natural. 
2 – Seleção natural em humanos seguida de transferência É possível que o progenitor do SARS-CoV-2 passou para os humanos; e mutações foram acontecendo. No entanto, o receptor humano para o vírus também sofreu mutações. O novo vírus, em algum momento, encontrou afinidade maior por uma das formas humanas de receptor, permitindo a sua entrada e multiplicação rápida. À medida que a afinidade do vírus foi aumentando com os humanos, foram surgindo os primeiros casos, conduzindo à pandemia. Os autores reforçam que as evidências deste e outros estudos tornam improvável que a origem deste novo vírus seja laboratorial. Em resumo, as evidências conduzem fortemente à ideia de seleção natural. Dessa forma, um processo natural. Os esforços dos cientistas estão sendo bastante intensos para desvendar os mecanismos de ação deste novo vírus. Diariamente, acompanhamos novas publicações sobre o tema em revistas altamente especializadas. 

Esperamos ter respostas mais definitivas em breve, de modo que o tratamento mais efetivo e uma vacina eficiente possam ser desenvolvidos. Proteja a si mesmo, os seus familiares e aqueles que moram na sua região. A melhor maneira de evitar o contágio é manter o isolamento social. Se possível, fique em casa. É a melhor ação que a maioria de nós pode ter enquanto os profissionais da saúde, cientistas e outros de instituições diversas desempenham o seu papel na luta contra esta pandemia. 

PARA SABER MAIS 

O termo seleção natural apareceu várias vezes no texto. Para melhor entendê-lo, acesse a seguinte apresentação: Conceito de seleção natural. Artigo científico sobre o que este texto foi baseado, majoritariamente: Andersen, Kristian G., Andrew Rambaut, W. Ian Lipkin, Edward C. Holmes, and Robert F. Garry. The proximal origin of SARS-CoV-2. Nature Medicine (2020): 1-3. Se você deseja aprender um pouco mais… Você pode analisar dados de sequências de nucleotídeos e construir árvores filogenéticas, assim como no artigo de Andersen e colaboradores. Para isso, aprenda um pouco sobre a linguagem R. Para detalhes e procedimentos, consulte: https://www.ufrgs.br/user/bioinformatica/

PESQUISA: MAGNO MOREIRA

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